Os títulos
denunciam o conteúdo: Como Usar O Maldito
Bule, Como Sustituir A Carta de Condução Roubada, Como Seguir As Instruções,
Como Evitar Doenças Contagiosas, Como Viajar Com Um Salmão...
Estas Instruções para Uso, do genial Umberto
Eco, aparecem no Segundo Diário Mínimo,
uma colectânea das paródias literárias que Eco foi escrevendo depois do aclamado Diário Mínimo de 1963.
Para
perceberem o método de Eco, vou exemplificar com a crónica, Como Reconhecer Um Filme Porno.
Nesta, Eco
encontra um critério infalível para percebermos se estamos perante um filme
pornográfico: o “cálculo dos tempos
mortos”. Umberto explica-se: “Os
filmes pornográficos estão repletos de pessoas que entram no carro e conduzem
quilómetros e quilómetros, de casais que perdem um tempo incrível para se
registarem no hotel, de senhores que passam minutos e minutos nos elevadores
antes de irem para o quarto, de raparigas que sorvem licores variados e perdem
tempo com camisolas e rendas, antes de confessarem uma para a outra que preferem
Safo a Dom Juan. Vulgarmente falando e sem muitas cerimónias, nos filmes
pornográficos, antes de se ver uma saudável foda é preciso levar com um anúncio
do vereador dos transportes”.
Eco explica
em seguida que estes tempos mortos são essenciais para o espectador, pois, “para que a transgressão tenha sucesso, é
necessário que ela se recorte num fundo de normalidade. Representar a
normalidade é uma das coisas mais difíceis para qualquer artista – ao passo que
representar o desvio, o delito, o estupro, a tortura, é facílimo”.
Já repararam
que, nos telejornais, a normalidade se confunde com o desvio? Depois da morte
de um jovem de 29 anos por falta de cirurgião ao fim de semana, os noticiários
desencantaram logo incontáveis casos semelhantes. Os tempos mortos quase que
desapareceram dos telejornais, mas não deixam de ser pornografia pura...
E a
realidade pornográfica figueirense: num concelho onde os figueirenses emigrados
em New Bedford recolheram, porta-a-porta, donativos destinados a equipar o
Hospital Distrital da Figueira da Foz, a autarquia gasta 100 mil euros nas
festas de fim de ano....
E os bancos
que, de repente, vão todos falir... Normalidade
ou desvio? Obviamente, estupro e
delito...
Umberto Eco
coloca o dedo na ferida, pois deveríamos ter as Instruções para Uso sempre à mão: Como Ver Tv e Não Enlouquecer,
Como Não Beber na Passagem de Ano da Figueira, Como ter Pena dos Banqueiros...
Basta
calcularmos os tempos mortos para percebermos que o mundo se confunde com um
filme pornográfico...