terça-feira, 20 de maio de 2014

Os Sinos


Num cemitério, em qualquer cemitério, as palavras do poeta John Donne perseguem-me, repetem-se no meu espírito: “Nenhum homem é uma ilha isolada, cada homem é uma partícula do continente, uma parte do todo; se um torrão é arrastado pelo mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria; a morte de qualquer homem diminui-me, porque sou parte do género humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”.

Ernest Hemingway usou-as em 1940, quando editou o brilhante “Por Quem os Sinos Dobram”, mas elas, as palavras, não se dobram perante o cortejo de campas, sepulcros, lajes e lápides do Cemitério Oriental da Figueira da Foz. Quando leio, numa lápide de um defunto que não conheço, a emocionada inscrição: “Eterna saudade dos seus filhos”, nem reparo que a campa se encontra totalmente abandonada... Que importância tem vislumbrar uma sepultura abandonada? Regressam de imediato as palavras de John Donne: “Nenhum homem é uma ilha isolada, cada homem é uma partícula do continente, uma parte do todo...”.

Mas, pesarosamente, o todo assemelha-se a um “torrão arrastado pelo mar”... A existência segue sem propósito nem sentido, e o discurso público e político atingiu a inanidade total. Como construir um discurso sobre o país e a Europa se somos diariamente bombardeados por sound bites, demagogia e mentiras? Todos nos escondem a cruel realidade do definhamento da Europa, sem riqueza suficiente para manter o estado providência do pós-guerra; no fundo, acabou o que distinguia a Europa como farol de liberdade, igualdade, direitos humanos e estado de bem estar; pior, explicam-nos a realidade através de uma ficção onde a esquerda e a direita subsistem, o muro de Berlim permanece de pé e o século XX ainda vai a meio...

A Europa tem que reinventar-se e deitar abaixo um sistema baseado no consumismo desenfreado, que leva os bancos a acumularem um poder desmesurado e anti-democrático. Ninguém sabe como realizar esta revolução, nem há um lider ou tropas disponíveis para avançar; importava, pelo menos, que os europeus conhecessem a verdade e que percebessem que “se um torrão é arrastado pelo mar, a Europa fica diminuída, como se fosse um promontório, como se fosse a casa dos teus amigos ou a tua própria”.

A culpa do que aconteceu ao velho continente e a Portugal não está só nos outros, no papão dos bancos, Troika, FMI, Comissão Europeia, José Sócrates ou Passos Coelho; a realidade apresenta-se mediocre, incompetente e corrupta porque todos nós somos “uma parte do todo”, “cada homem é uma partícula do continente”.

“E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti”!