terça-feira, 18 de fevereiro de 2014

A Vontade


Arthur Schopenhauer garantia que o mundo não passava disto: vontade e representação...

Leio os periódicos locais, e constato que João Ataíde teve vontade de contratar o cançonetista Emanuel para este carnaval; pelos vistos, o pimba representa na perfeição o carnaval da Figueira...

 O que não espanta: Schopenhauer garantia que não era a razão que comandava o mundo, antes, os caprichos da vontade; talvez seja por isso, cogitamos, que a Câmara da Figueira continua a organizar uma festarola que dá 50 mil euros de prejuízo e não é um foco de atracção turística.

Pior: João Ataíde luta pela vinda do turismo de qualidade para a cidade, enunciando, até, o sonho de os navios de cruzeiro atracarem no porto da Figueira, e depois contrata o pimba Emanuel para o grande carnaval... “O perfeito homem do mundo seria aquele que jamais hesitasse por indecisão e nunca agisse por precipitação”, escreveu Schopenhauer na obra Aforismos para a Sabedoria de Vida.

No campo oposto, temos Emmanuel Kant, que via o mundo somente dirigido pela razão pura.
No entanto, o filósofo admitia a existência da razão prática, ligada à intuição e ao sentimento; pois há uma realidade absoluta em todas as consciências deste mundo: a noção moral, a nossa obrigação ética. Kant chamava-lhe o imperativo categórico: a distinção definida do que está certo e errado.

Há uns meses atrás, o Hospital da Figueira solicitou à Câmara Municipal apoio para disciplinar o trânsito no parque de estacionamento do hospital; pelos vistos, na época balnear, o parque é utilizado abusivamente pelos veraneantes e os doentes não têm lugar para estacionar as viaturas.

A autarquia, imbuída do imperativo categórico, “emprestou” 80 mil euros ao Hospital da Figueira para que este instalasse um sistema de estacionamento pago. Repito: uma Câmara, que “faliu” há meia dúzia de anos, emprestou 80 mil euros ao governo central!   

Realmente, o imperativo categórico dá cabo da razão pura; resta-nos a vontade e a representação deste mundo pimba...

 

 

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

O Clic


É muito simples: pega-se no rato e clic... Leio uma frase linda, tipo: “o que machuca não é o amor, são as pessoas. O amor é só um sentimento”, e clic; um gatinho amoroso, clic; a nova foto de perfil de uma tipa que conheci no Verão de 1990, mas que agora é muito minha amiga no facebook, e clic; gosto!

Basta um simples dedinho para avançar com um gosto, e triliões de dedinhos clicam sem piedade por esse mundo fora; clicam, claro, no banal, no corriqueiro, no vazio; nada mais terapêutico...

O mundo da internet é tão vazio quanto a nossa existência; num duplo sentido: é, por um lado, o espelho da sociedade de massas oca e, por outro, o repositório de todos os desejos do homem, esse motor do mundo que disfarça a futilidade e vacuidade da existência humana.

Desejamos ser reconhecidos e, até, venerados, então publiquemos vídeos ou frases giras no facebook; não há nada mais esfuziante do que 50 ou 100 gostos num post da nossa autoria! E se não encontramos nenhuma frase ou vídeo mágico, avancemos para as fotografias de gatinhos, cãezinhos ou chimpanzés, resultam sempre...

Depois, temos o país com opinião política: pouca gente lê ou reflecte sobre a realidade do mundo, mas toda a gente tem um qualquer bitaite para dar; e a internet amplifica o fenómeno!

Recentemente, na Figueira, o Executivo autárquico decidiu não permitir a presença de público numa das reuniões de Câmara. Refira-se que, a lei, apenas impõe a presença de público numa das reuniões. Mais: as decisões tomadas nas reuniões sem público continuam a ser publicitadas na imprensa; a oposição está sempre presente; a Assembleia Municipal, o Tribunal de Contas, a Inspecção-Geral de Finanças, continuam a fiscalizar todas as decisões do Executivo; em todo o país, maiorias, da esquerda à direita, tomaram a mesma decisão, etc, etc.

E reparem no seguinte: a Câmara é um órgão executivo tal como o governo da república, cujas reuniões do Conselho de Ministros são todas privadas; ou seja, ninguém se lembraria de chamar de ditador a Passos Coelho só porque reúne em privado com os seus ministros!

Pois bem, na Figueira, a blogosfera acéfala chamou todos os nomes reais e imaginários a João Ataíde quando uma das reuniões foi encerrada ao público! Ditador foi a adjectivação mais simpática que lhe atribuíram...

A maioria da blogosfera figueirense não reflecte, não é séria nem tenta ser isenta... Pior: argumenta, frequentemente, recorrendo ao insulto pessoal; uma vergonha...

Recentemente, o vereador da cultura e vice-presidente da autarquia, António Tavares, passou a ser cronista do diário As beiras; os seus textos têm versado os temas candentes da actualidade: o desemprego, a educação, etc, etc, etc. Pois bem, imaginem como a blogosfera reles e rasca classificou os textos de António Tavares: são uma “merda”...

Reparem nisto: António Tavares é um homem das letras, com várias peças de teatro, ensaios e livros editados. Em 2013, concorreu com um romance inédito ao prémio literário Leya, o maior prémio literário da lusofonia, com um prémio monetário de 100 mil euros. Concorreram 491 romances, provindos de 14 países – esta foi a edição mais concorrida e internacional de todas, com romances oriundos da Alemanha, Angola, Brasil, Espanha, E.U.A, França, Guiné-Bissau, Itália, Luxemburgo, Macau, Moçambique, Portugal, Reino Unido e Suécia. O Júri do concurso inclui gente tão distinta como Manuel Alegre, Nuno Júdice, Pepetela, o Reitor do Politécnico e Universitário de Maputo, Lourenço do Rosário, ou uma professora universitária da Universidade de São Paulo, Rita Chaves, entre outros.

Pois bem, das 491 obras, este ilustre júri seleccionou 7 romances, entre eles, “As palavras que me hão-de guiar um dia”, de António Tavares...

 Palavras para quê?! Afinal, as “merdas” escritas por Tavares têm algum valor, pelo menos, para um júri internacional...

Mas não há nada a fazer: esta blogosfera rasca recorre à maledicência para sublimar as suas frustrações; vai continuar por aí, na maior impunidade, a insultar tudo e todos...

A internet é, de facto, o repositório de tudo o que é bom e mau na sociedade; é pena a Figueira não ter sido bafejada pela sorte...