Na mesa, umas
couves tronchudas viçosas; uns homens perfilados trajam capas castanhas com
porta medalhas e chapéus de abas escuros; em primeiro plano, um homem ostenta
um estandarte verde com o dizer: “Confraria das Couves de Castelo Viegas,
Coimbra, fundada em 2010”.
Só depois é que leio, no Diário de Coimbra do
dia 1 de Novembro, a grande manchete: “Confraria distribui mais de mil couves
por IPSS de Coimbra”.
O jornal
conta que a confraria existe desde 2010, conta com 62 confrades efectivos - 8
deles de honra – e que 40 associados esperam ardentemente a entronização. E
como é que o presidente da confraria, Carlos Ferreira, justifica a existência
da associação? Para “manter viva uma tradição” da freguesia... Cavar e plantar
a couve-portuguesa, Brassica Oleracea, grupo Costata.
Esta espécie
de cavaleiros da boa figura, fazendo o bem armados com couves, recordam-me
outro cavaleiro, mas este da triste figura: D. Quixote de la Mancha.
Recordam-se
da obra prima de Cervantes? Da figura de D. Quixote, um cavaleiro andante
colocado num tempo em que não existiam cavaleiros andantes; que andava armado
com armas utilizadas cem anos antes; um fidalgo pobre que, portanto, nunca
poderia ser armado cavaleiro. E as suas sucessivas aventuras, procurando a
honra e a fama eterna, são sempre acções fora do espaço e dos dias em que
vivia...
As confrarias, pelo contrário, assentam que nem
uma luva no nosso tempo; reparem na confraria do Bucho Raiano, na Confraria do
Bucho de Arganil, na Real Confraria do Maranho ou na Confraria das Tripas à
Moda do Porto; tudo enchidos cuja Organização Mundial da Saúde aconselha a não
consumir... É claro que logo mil vozes se levantarão recordando que também
temos a Confraria dos Nabos e Companhia, da Moenga, do Chicharro, dos Sabores
da Fava ou a mui nobre Real Confraria Gastronómica das Cebolas...
Este viver fora do tempo leva-nos,
inevitavelmente, até ao novo governo de esquerda; será possível governar à
esquerda num mundo dominado pelo liberalismo?
Antes,
importa perceber o resultado da ideologia liberal num país como Portugal:
privatizaram-se monopólios estatais, como o sector da energia, mas temos a
segunda electricidade mais cara da Europa e o gás natural mais caro da União
Europeia; flexibilizamos o mercado de trabalho – precarizamos e reduzimos o
valor dos ordenados pagos aos trabalhadores – mas a economia não cria empregos
suficientes para absorver a mão de obra disponível; na distribuição de
rendimentos, temos um dos países da Europa onde o fosso entre os mais ricos e
os mais pobres é maior...
Pergunto:
manter o status quo, com o seu coro de desempregados, trabalhadores com
ordenado mínimo, emigração qualificada, é governar no sentido correcto da
História?
António
Costa poderá ser o maior bluff da história política portuguesa, uma espécie de
D. Quixote ensandecido, convencido que vai mudar o mundo distribuindo benesses
a torto e a direito.
Mas, 41 anos
depois de Abril, ainda há uma réstia de fé; talvez António Costa seja um
cavaleiro da boa figura, armado com uma saudável e deliciosa couve...