É muito
simples: pega-se no rato e clic... Leio uma frase linda, tipo: “o que machuca
não é o amor, são as pessoas. O amor é só um sentimento”, e clic; um gatinho
amoroso, clic; a nova foto de perfil de uma tipa que conheci no Verão de 1990,
mas que agora é muito minha amiga no facebook, e clic; gosto!
Basta um
simples dedinho para avançar com um gosto, e triliões de dedinhos clicam sem
piedade por esse mundo fora; clicam, claro, no banal, no corriqueiro, no vazio;
nada mais terapêutico...
O mundo da
internet é tão vazio quanto a nossa existência; num duplo sentido: é, por um
lado, o espelho da sociedade de massas oca e, por outro, o repositório de todos
os desejos do homem, esse motor do mundo que disfarça a futilidade e vacuidade
da existência humana.
Desejamos ser
reconhecidos e, até, venerados, então publiquemos vídeos ou frases giras no
facebook; não há nada mais esfuziante do que 50 ou 100 gostos num post da nossa
autoria! E se não encontramos nenhuma frase ou vídeo mágico, avancemos para as
fotografias de gatinhos, cãezinhos ou chimpanzés, resultam sempre...
Depois,
temos o país com opinião política: pouca gente lê ou reflecte sobre a realidade
do mundo, mas toda a gente tem um qualquer bitaite para dar; e a internet
amplifica o fenómeno!
Recentemente,
na Figueira, o Executivo autárquico decidiu não permitir a presença de público
numa das reuniões de Câmara. Refira-se que, a lei, apenas impõe a presença de
público numa das reuniões. Mais: as decisões tomadas nas reuniões sem público
continuam a ser publicitadas na imprensa; a oposição está sempre presente; a
Assembleia Municipal, o Tribunal de Contas, a Inspecção-Geral de Finanças,
continuam a fiscalizar todas as decisões do Executivo; em todo o país,
maiorias, da esquerda à direita, tomaram a mesma decisão, etc, etc.
E reparem no
seguinte: a Câmara é um órgão executivo tal como o governo da república, cujas
reuniões do Conselho de Ministros são todas privadas; ou seja, ninguém se
lembraria de chamar de ditador a Passos Coelho só porque reúne em privado com
os seus ministros!
Pois bem, na
Figueira, a blogosfera acéfala chamou todos os nomes reais e imaginários a João
Ataíde quando uma das reuniões foi encerrada ao público! Ditador foi a
adjectivação mais simpática que lhe atribuíram...
A maioria da
blogosfera figueirense não reflecte, não é séria nem tenta ser isenta... Pior:
argumenta, frequentemente, recorrendo ao insulto pessoal; uma vergonha...
Recentemente,
o vereador da cultura e vice-presidente da autarquia, António Tavares, passou a
ser cronista do diário As beiras; os seus textos têm versado os temas candentes
da actualidade: o desemprego, a educação, etc, etc, etc. Pois bem, imaginem
como a blogosfera reles e rasca classificou os textos de António Tavares: são
uma “merda”...
Reparem
nisto: António Tavares é um homem das letras, com várias peças de teatro,
ensaios e livros editados. Em 2013, concorreu com um romance inédito ao prémio
literário Leya, o maior prémio literário da lusofonia, com um prémio monetário
de 100 mil euros. Concorreram 491 romances, provindos de 14 países – esta foi a
edição mais concorrida e internacional de todas, com romances oriundos da
Alemanha, Angola, Brasil, Espanha, E.U.A, França, Guiné-Bissau, Itália,
Luxemburgo, Macau, Moçambique, Portugal, Reino Unido e Suécia. O Júri do
concurso inclui gente tão distinta como Manuel Alegre, Nuno Júdice, Pepetela, o
Reitor do Politécnico e Universitário de Maputo, Lourenço do Rosário, ou uma
professora universitária da Universidade de São Paulo, Rita Chaves, entre
outros.
Pois bem,
das 491 obras, este ilustre júri seleccionou 7 romances, entre eles, “As
palavras que me hão-de guiar um dia”, de António Tavares...
Palavras para quê?! Afinal, as “merdas”
escritas por Tavares têm algum valor, pelo menos, para um júri internacional...
Mas não há
nada a fazer: esta blogosfera rasca recorre à maledicência para sublimar as
suas frustrações; vai continuar por aí, na maior impunidade, a insultar tudo e
todos...
A internet
é, de facto, o repositório de tudo o que é bom e mau na sociedade; é pena a
Figueira não ter sido bafejada pela sorte...