domingo, 10 de junho de 2012

A Rinite

A ideia surgiu do nada, literalmente. O nada é o tempo entre velórios,enterros, jazigos, crematórios. Eu sei que, lá fora,o sol rutilante acicatava o chilrear da passarada arribada no enorme plátano que se ergue em frente à capela mortuária, mas naquele negrume absoluto não havia lugar para almas viçosas e robustas; a morte tudo tolda...

A muito custo, afastei-me da dor e observei o gigantesco plátano;
cogitei: mas o tempo não se poderia suspender indefinidamente?! As
árvores repletas de vida, os animais e os humanos, não mereceriam um
destino diferente?!

É claro que só poderia estar a pensar na minha própria morte; não sei
porquê mas não me entusiasma nada acabar assim: num caixão clássico,
fato demodé da Maconde posto – desculpem mas é o único fato preto que
comprei na minha vida -, deitado numa posição desconfortável com
coroas de flores a enfeitar-me e a provocar-me alergia, aliás, rinite
alérgica, garante a minha médica de família.

Mas, se o passar dos segundos, minutos, horas e dias, se suspendesse
indefinidamente, como funcionaria este mundo sem ocaso: a evolução
humana desapareceria de vez?! E a existência humana, ganharia,
finalmente, algum sentido?!

Acontece que, na Figueira da Foz, não seria problemático o fim da
evolução humana, aliás, tudo indica que o nosso concelho já atingiu o
seu zénite!
Culturalmente, os figueirenses seguem na vanguarda, em cada esquina da
cidade floresce um debate, uma palestra, a conferência ou a tertúlia
mais bombástica; resultado: os atropelamentos culturais têm entupindo totalmente as urgências hospitalares...
Na intervenção social e recreativa, a actividade é tão fervilhante que
acabam por existir mais instituições de solidariedade do que
vagabundos, e há muito poucos lugarejos para tantas colectividades.

Mas é na actividade política que a cidade atinge todo o seu esplendor!
Nestes últimos anos, centenas, aliás, milhares de figueirenses têm
aderido aos maiores partidos políticos do concelho! Perguntarão em
uníssono: como é que isto é possível?! Enquanto no mundo inteiro se
assiste ao ocaso da partidocracia, na Figueira, hordas de cidadãos
lutam por uma “fichazinha” partidária!  
Os partidos representam, portanto, o melhor dos mundos possíveis. Os grandes valores universais, a retórica mais tonitruante, as querelas ideológicas mais fascinantes; é por tudo isto, presumo, que o figueirense não resiste a transformar-se em camarada... Na Figueira, não há lugar para o caciquismo, o tachismo, a ameaça a quem vote na lista perdedora, e ninguém faz promessas descaradas nem pratica a maledicência mais rasca sobre os seus adversários. Ai estão os nomes dos grandes líderes partidários locais - João Portugal, Miguel Almeida, António João Paredes – a comprovar isto mesmo.                                                                 
Estou, portanto, perante um enorme dilema: continuo a defender que o
tempo se suspenda indefinidamente, acabando com a evolução humana mas mantendo a maravilha - cultural, social e política – que o figueirense
hoje representa?! Ou então, esqueço todo este disparate pegado, pois não há tempo suspenso que ajude a decifrar o maior mistério de todos os tempos: qual é o verdadeiro sentido da existência humana?!


Nascer para morrer carregadinho de rinite alérgica...

sexta-feira, 27 de abril de 2012

O Sofista


Qual é o vossa máxima favorita? “Só sei que nada sei” ou “o homem é a medida de todas as coisas”?!
Ambas pertencem a outro mundo, à Grécia Antiga de Sócrates e dos Sofistas, mas, curiosamente, servem bem para definir este tempo, pelo menos no que toca ao homem ser, agora, definitivamente, a “medida de todas as coisas”.

É claro que há reservas morais no mundo, gente que não embarca no relativismo prático dos sofistas onde o prazer individual é o único bem; vejam o exemplo do monarca de Espanha que, borrifando-se para os 5 milhões de desgraçados desempregados - muitos futuros suicidas - viajou com a sua amante para o Botswuna, matou um elefante e declarou: “perdonem-me, mas el hombre és la medida de todas las cosas!”.
É claro que todos gostaríamos que Juan Carlos e os poderosos do mundo fossem como Sócrates o grego, pois procurariam sempre a essência da justiça, da virtude e do bem; e, convictamente, diriam: “só sei que nada sei”.

Eu sei que é uma utopia, até porque Sócrates vivia na maior pobreza, nada lhe importava senão cumprir o seu ritual: diariamente acordava de madrugada, tomava um rápido pequeno-almoço à base de pão molhado em vinho e, já trajado com uma modesta túnica e um grosso manto, dirigia-se para um templo, uma loja, os banhos públicos, qualquer lugar onde pudesse encontrar um parceiro de discussão; Sócrates só era feliz conversando, discutindo, pregando a ausência de qualquer certeza, apenas importava o pensamento claro, o domínio da razão e conhecermo-nos a nós próprios; Deus andará por aí...
Sócrates não escreveu nenhum livro, não quis discípulos ou escola, mas o seu método socrático de discussão das problemáticas mantém-se válido até aos dias de hoje. Refiro-me àqueles diálogos onde um dos interlocutores questiona insistentemente o seu oponente com perguntas simples, até irritantes, mas que servem para que o outro reflicta, raciocine e encontre respostas... talvez seja denso explicar assim o método, passemos a exemplificar o que escrevo ficcionando um diálogo onde se aplica o método socrático:

- “Eu acho que o director do semanário O Figueirense, Joaquim Gil, escreveu um editorial cobarde.” – afirmou Rui Beja.
- “Mas o que entendes tu por cobardia?!” – questionou Sócrates.

- “Cobardia foi o que Gil escreveu no seu penúltimo editorial. Sem nunca nomear o meu nome, adjectivou o meu carácter com uma série de insultos. Isso é a cobardia mais vil!” – respondi, indignado.
 - “Mas diz-me, como podes classificar o texto de cobarde se ainda não me apresentaste uma definição de cobardia?!” – afirmou Sócrates, já irritado.

Preferi não responder ao filósofo chato, importa mais explicar aos leitores o que motiva esta reacção.
Eu efectuei nesta Rua da Liberdade críticas sérias e educadas a duas instituições da cidade, o Casino e o periódico O Figueirense.
No caso do Casino, chamei a atenção para o facto de o seu administrador, Domingos Silva, gerir o casino como se fosse um político em campanha: distribui prebendas e subsídios a torto e a direito, sem aparente benefício económico para a empresa que o Casino é. O resultado desta política está à vista de todos: o casino encontra-se numa situação económica periclitante, tendo já despedido 80 trabalhadores!

Quanto ao Figueirense, constatei uma realidade que toda a cidade comenta em surdina: o jornal transformou-se num contra-poder à actual maioria autárquica.
Reparem como Joaquim Gil reagiu, no seu penúltimo editorial, a estas 2 críticas construtivas: “Dizem-me que por aí se escreveu ser este semanário “contra o poder”. Patetice, rematada patetice! Um disparate pegado que não merecia uma linha minha sequer, não fosse o facto de ser revelador de uma certa mentalidade sobre o “poder”, a forma como é exercído, a forma como é encarado. (...) Pior que tudo é que a seu lado logo surgem os aduladores, os louvaminhas, em linguagem comum, os “lambe botas”, os “queixinhas” (uma espécie de subchefes de turma que nunca cresceram) na busca de um lugarzito, de uma prebenda, de uma avença, de uma assessoriazita. Nesta corte jamais me verão, como está bem de ver!”.

Acontece que, na verdade, Joaquim Gil está nesta “corte”, “como está bem de ver”!
O causídico Gil prestou serviços para a Figueira Grande Turismo – terá sido uma “avença” ou uma “assessoriazita”?! - na altura em que a empresa era dirigida por Lídio Lopes. Foi, portanto, um gesto bonito ver Gil apresentar o livro de crónicas lançado recentemente pelo mesmo Lídio; 700 páginas de literatura merecem sempre um intelectual da estirpe de Joaquim Gil!

E porque não recordar o antepenúltimo editorial de Gil, onde o director agradece o empenho pessoal de Domingos Silva na operação que permitiu trazer o navio Sagres à Figueira – para Gil, a vinda do navio representou o “acontecimento” do ano na Figueira da Foz! Como vou classificar este elogio ufano de Gil ao seu patrão? Chamo-lhe “adulador, louvaminhas, em linguagem comum, “lambe botas”?!
Agora, não me furto a falar da minha vida profissional e política, para que os leitores possam avaliar se eu ando em “busca de um lugarzito, de uma prebenda, de uma avença, de uma assessoriazita”.

Eu já estive envolvido na política partidária, no caso, no PS, no tempo em que o partido socialista estava na oposição. Mas, neste tempo, em que o PS está no poder, ou seja, quando pode distribuir prebendas e avenças, eu tenho sido o maior e mais contundente crítico do líder concelhio do PS, João Portugal. Acham que quem quer um “lugarzito” critica desta forma o chefe dos socialistas?!
 Vejam o contraste: eu andei no jornalismo e nunca recebi um tostão pelo meu trabalho; passei pela política e nunca tive um lugar, um cargo, uma prebenda. Joaquim Gil, que nunca andou pelo jornalismo, acabou como director de um jornal que se resume a isto: propagandear as actividades de um casino e dizer mal do executivo camarário; é triste a sina de quem recebe dinheiro para ser a voz do dono...

Antes ser um vagabundo similar a Sócrates - que não cobrava um tostão pelas suas lições - do que parecer-me com Joaquim Gil, uma espécie de sofista; daqueles que, a troco de uns patacos, ensinavam retórica a políticos ávidos de poder.
A lição era sempre a mesma: nada de princípios ou ética, o “homem é a medida de todas as coisas”...

domingo, 8 de abril de 2012

A Lua

A Lua morreu e a autópsia foi inconclusiva; figado, coração, pulmões, rins, nada a apontar, parecem de uma gata jovem quando a lua, ou Luna, vivia há duas décadas nesta dimensão. O mundo repleto de mortandades, tragédias, dilacerantes dilemas emocionais e eu confinado a isto: um corpo de gata, branco, alvo, luminoso, agora féretro rígido...

O que nos resta senão caminhar em frente?! Nada... Caminhar em sentido literal é outra coisa, percorrer as Abadias na Primavera intermitente de Abril é uma novidade para mim; temos vento, muito, nuvens volumosas e com formas humanas, frio até, mas rasgos luminosos de sol sobre a passarada empoleirada no arvoredo; o chilrear incessante da passarinhada – estão a ver como os homens e os animais mal se distinguem? - representa a mesma melodia, nem as pequenas variações perturbam a harmonia.

E é mesmo isto que perturba e intriga: num repente a cidade é engolida pela natureza, nas Abadias são os chorões, choupos, plátanos, tílias, palmeiras, pinheiros mansos e bravos, acácias e pilriteiros que dominam... Mas, curiosamente, a natureza parece-se muito com o homem: estas árvores, algumas de grande porte, têm expressão, movimento, personalidade, juro a pés juntos que não ensandeci de vez!
Felizmente não sou o único primitivo a acreditar neste fenómeno, já na pré-história os egípcios e os indianos acreditavam que a alma humana podia encarnar em vegetais e animais; e, porque não, transformar esta crença num exercício político?!

Daniel Santos, grande mestre em urbanismo, não poderia bem ser um chorão, árvore com a capacidade de drenar os solos mais húmidos?! E João Portugal não dava um belo choupo - na espécie choupo tremedor (populus tremula) -, com as suas raízes tremendamente invasoras e destrutivas?! E não há um conjunto de “Migueis Almeidas” espalhados pelo território, verdadeiras Acácias a disseminarem-se e a destruírem os ecossistemas?! A botânica política é mesmo um território inexplorado, nem imagino que árvores corresponderão a Passos Coelho, José Sócrates, Marcelo, Cavaco, etc; apenas fico com a certeza que, se Deus existisse, nunca teria plantado tal arvoredo nesta ditosa pátria.  

Mas gostava de vos falar num político que não se assume, similar àquele arbusto pilreteiro das Abadias que nunca se assumiu como árvore pequena. Falo de Domingos Silva, administrador do Casino da Figueira mas verdadeiro político em acção; querem exemplos?! O casino vende jogo e animação mas não pára de tentar educar o povo (até as criancinhas do concelho puderam aprender a ser polícias, bombeiros e militares num casino!); não há colectividade e agrupamento concelhio que não tenha passado já pelo casino, decerto a animação que os clientes do jogo mais apreciam; para não falar nas vedetas da tv e nas grandes cabeças políticas deste país que não páram de arribar no casino; perguntarão, tudo isto não é bom?!

É óptimo! O problema é a situação financeira do Casino da Figueira, salvo erro, já foram despedidos mais de 80 trabalhadores para que as cartas   continuem a ser lançadas no casino; e eu pergunto, sem a menor demagogia: como se sentirá um trabalhador demitido ao saber que o casino paga uma pipa de massa à Fátima Campos Ferreira?! Dizem que recebe 10 mil euros por cada entrevista que efectua no casino... E este mediatismo todo serve para quê? Em tese, o casino não deveria estar agora a contratar mais pessoal, para fazer face ao aumento de clientes que o mediatismo sempre proporciona?!

Perguntas fundamentais para uma cidade que ainda depende muito do casino; não nos podemos arriscar a, no fim da actual concessão de jogo, perdermos o casino para Coimbra, Aveiro ou Leiria. Até porque perderíamos o semanário O Figueirense - propriedade do casino -, o primeiro jornal de casino do país a assumir uma postura anti-poder; neste momento o periódico ataca ferozmente o executivo camarário socialista, mas tenho a certeza que o jornal terá a mesma atitude no dia em que o político Domingos Silva for Presidente da Câmara da Figueira da Foz; querem apostar?!

Eu também aposto no seguinte: tenho a certeza que um dia vou reencontrar a minha gata Luna; vamos ser dois pinheiros das Abadias...



  




terça-feira, 6 de março de 2012

Os gregos


Tenho uma admiração especial pelos gregos, os de ontem e os de hoje. Os do passado porque nos transmitiram a forma de governo que nos nossos dias ainda é por todos considerada como má, mas a melhor que se conhece; os de hoje porque se opõem com tenacidade às imposições da Troika, batem-se galhardamente nas ruas, fazem greves, mendigam e assaltam, e têm o descaramento de fazer conferências de imprensa com uma moldura de militares a desafiar os alemães e, ainda por cima, exigem mais trinta ou quarenta mil milhões de euros, porque os últimos 130 mil milhões já se foram.
Eu chego a casa tão cansado para arranjar uns euritos destinados a pagar os salários dos meus colaboradores que jamais poderia ter participado numa manifestação ou feito uma exigência na rua, a atirar pedras à polícia. Como todos os portugueses, cultivo, além dos tradicionais brandos costumes, um masoquismo muito próprio: ponho-me a ouvir as notícias na TV (a ver os gregos a divertirem-se) e a ler os jornais do dia. Agravada a depressão, fico tão extenuado que consigo dormir a noite toda em descanso. Isto é muito alienante, eu sei, e o Marx e o Engels já descreveram esta alienação que nos impede de reagir, mas que hei-de fazer?! Os media são o meu ópio.
Há, no entanto, uma peça que me serve de contrabalanço às desgraças do quotidiano. São as notícias do diário As Beiras, sobretudo as da página da Figueira. Se alguma coisa ainda me faz rir e acreditar na luz ao fundo do túnel (e, neste caso, não é a de um TIR) é o saboroso noticiário que ali vem. As notícias raramente dizem pouco mais do que alguma coisa sobre os assuntos, tal é a exiguidade das palavras (será que a impressão é paga ao caracter?), embora os títulos consigam sempre suplantar a imaginação de quem as lê. Quem dirige o jornal partiu do princípio que os portugueses não lêem, não gostam de ler e se a tal se atrevem não percebem nada; o melhor, portanto, é poupar-lhes o trabalho da leitura. Mas, se quiserem um exemplo, reparem na edição do dia 5: a página trazia no canto esquerdo uma coluna de opinião do Miguel Almeida, “consultor para a área do ambiente” (ah,ah,ah!), intitulada “um novo tempo”, no canto direito uma notícia sobre o (adivinhem?) Miguel Almeida, intitulada, “Miguel Almeida lidera concelhia do PSD”, e, no centro da página, um título onde se lia “investigação criminal em debate...”. Vocês resistem a não rir?
Depois de nos andar a impingir a personagem do novo líder laranja durante várias edições, a página das Beiras só não a mete nas farmácias de serviço porque não dá. Mas como se anuncia aí uma nova Era e nós não somos os gregos, um dia destes o jornal vai conseguir fazê-lo: “Farmácia Almeida, remédios para todas as doenças!”. A democracia é tão gira...

sábado, 25 de fevereiro de 2012

Um post (des)esperado

Vinha eu, noite fora, de transportar umas tralhas de uma terreola perto de Viseu, conduzindo a minha velha carrinha pelo sinuoso e perigoso traçado do IP3, quando, perdido nos faróis dos que comigo se cruzavam e olhando as escarpas do ancestral Mondego, me deixei perder por outras visões bem mais satisfatórias e que me ajudam a suportar as agruras da vida. O sonho é o melhor remédio para quem passa mal.
Ora me passeava por paisagens paradisíacas, com praias de areia branca e coqueiros desleixados sobre um mar límpido, ora me enrolava com a Scarlett Johansson num berço de lençóis brancos, algures num motel de Las Vegas, depois de termos saltado de mesa em mesa num daqueles gigantescos casinos da capital do Nevada.
Estes sonhos são perigosos porque me deixam cegueta para a condução e a todo o instante posso resvalar para a berma e, pronto, lá se vai mais um palhaço. Sim, porque os ceguetas, sobretudo os assumidos, são mesmo um bocado apalhaçados.
Mas o verdadeiro problema dos ceguetas, como eu, é que não são verdadeiros cegos. Os tipos vêem, tal como eu vejo a estrada, não querem é acreditar que vêem e, portanto, fantasiam a realidade. Claro, fantasiamos para onde nos dá interesse, porque isto dos desinteressados é conversa fiada como toda a gente sabe. A mim, como vos disse, foge-me para as praias tropicais e para as moças jeitosas; mas não adianta esconder que há quem pense mais no vil metal, sob a forma de ordenado, avença ou outra forma qualquer, ou, quiçá, na pose vaidosa e sabidola, mas eu, como me diz a minha mãe, não tenho do que me envaidecer e tenho uma inclinação para as coisas espirituosas. Pago duro por ter este temperamento mas, como vos tinha já dito, sou feliz.
Bom, mas voltemos à minha viagem. Vinha eu naquele sonho enternecido com a  carrinha já a sair berma fora, quando, de repente, fui despertado pela luz de um TIR que me acordou, impedindo-me, no último momento, de cair por uma ravina tenebrosa. Soltei, claro, um “uf” de alívio. Uf! Agora, amigos, já acredito na luz!

PS: Garanto-vos que escrevi este post sem o patrocínio de qualquer agência de viagens ou de turismo, sem apoios de casino algum de Las Vegas e que a Scarlett Johansson desconhece em absoluto as fantasias que tenho com ela. Também não sou sócio da ACAPO e só por mera coincidência falo em ceguetas.





quarta-feira, 22 de fevereiro de 2012

A pevide

A senhora das pevides já quase não borda; a Maria agora é a sua vida. Não que a vendedora de pevides, tremoços e cajus do Bairro Novo procure alienar-se com o cor-de-rosa da revista de coração, nada disso, a realidade luminosa do Picadeiro basta-lhe, preenche-a: a calçada está limpinha, sem pegadas chatas de clientes; o petinga destila charme, veste bem, cheira bem, é um aristocrata não um pedinte; os drogados fogem para o lado do Nicola, a Senhora mal vê a vagabundagem, o Piza Hut e casino; aliás, para ela só temos Nicola, Páteo das Galinhas, Parque-Cine, orquestras no Casino Oceano, garraiadas infantis, burguesia, espanhóis, refugiados, etc; porque será, então, que o glamour das vedetas tv da revista Maria são a vida da senhora das pevides?! Não lhe basta este irreal Bairro Novo vintage dos anos 50 e 60, que ela, aliás, jura ainda existir?! Não faz sentido julgar a sanidade da senhora ou dos figueirenses; continuamos a viver na glória passada, é uma entropia para encarar este presente: picadeiro deserto no inverno e a meio gás no verão, sempre com o Petinga a comandar os aristocratas restantes... Mas não podemos fazer nada para reanimar o Bairro Novo?! Insuflar vida ao moribundo, chicotear o morto-vivo, ressuscitar o nobre patriotismo “bairro-novense”? Podemos, mas antes sigamos para o Jumbo; o glamour da fast food bate, de longe, a pevide da senhora; só falta o petinga...     


sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

O director

Querem ler uma gracinha travestida de liberdade poética? “Fui convidado para o cargo de director da revista Maria mas não aceitei pois não me iria sentir plenamente realizado; é que o meu sangue só ferve quando carrego móveis e pianos...”. Claro que se trata apenas de um sonho, uma vez que a Maria é demasiado sofisticada para mim... Na verdade, nem sequer sou jornalista, o meu ganha pão está no comércio de arte e antiguidades, ou seja, nunca faltam pianos, móveis e outros carregamentos... Se um homem é considerado pela sua condição profissional, então sou um simples comerciante e carregador de pianos; se um ser humano é considerado pela sua personalidade, então peço-vos que sigam a minha escrita: inteiramente livre, nunca condicionada por algum interesse privado ou político, apenas pela fruição da palavra.
Serve este intróito para vos falar do director do semanário O Figueirense, Joaquim Gil. Perguntarão de imediato: “mas tem algum interesse escrever sobre um irrelevante director de um jornal local?!” (há quem alvitre tratar-se de um boletim de uma empresa, mas passemos à frente). De facto, não tem; mas reparem no seguinte: a publicação (assim evitamos considerações) é dirigida por Joaquim Gil, ilustre advogado da praça coimbrã! Mas, dirão, pouco importa uma licenciatura em jornalismo, o que importa é que o director tenha tarimba nas funções de jornalista, que conheça a redacção de um jornal a fundo e a realidade social do concelho; infelizmente, a experiência jornalística passada do director Gil resume-se a uns artigos de opinião publicados na imprensa local e o conhecimento social do concelho…, bom, se o concelho fosse a mesa onde lança, sempre em “boa” companhia, alguns empertigados perdigotos... Mas pronto, enfim, nos tempos que correm, qualquer um pode ser tanta coisa...
Mas façamos como escrevi no intróito: “se um ser humano é considerado pela sua personalidade, então peço-vos que sigam” a escrita de Joaquim Gil. Antes, uma nota histórica prévia: o semanário O Figueirense pertence ao Casino da Figueira e foi dirigido durante largos anos por António Jorge Lé, também funcionário do Casino. Jorge Lé raramente tomava posições políticas e, por isso, foi com agrado que assistimos à ascensão de um director interveniente e opinativo como Gil na actual fase política da Figueira da Foz. O problema é que Joaquim Gil prometeu ser isento e equidistante, e o resultado foi este: Joaquim Gil malha semanalmente nos mesmos, nunca nos “outros”! Pior que isto, é que basta ler O Figueirense e ter um pouquinho de honestidade intelectual para concluir o seguinte: Joaquim Gil segue a agenda política e os interesses de uma facção do PSD... E, mais grave, Gil tem algumas “espinhas” (invejinhas) engaioladas no seu sótão, às quais recorre amiúde para fazer uma qualquer catarse. 
Apesar da promessa, ainda valerá a pena seguir a escrita de Joaquim Gil? Recordar, por exemplo, um editorial recentemente publicado, intitulado “Os Jovens Turcos”, onde Gil, para atacar a maioria, sugeria que só quem não tem “modo de vida” é que enveredava pela política, pois só o fazem os que são atraídos pelas “prebendas da coisa pública”. Então, João Ataíde não é Juiz de profissão, Monteiro e Tavares não são professores de carreira e Isabel Cardoso não é técnica superior do Estado?! E não é verdade que João Ataíde perde mensalmente centenas de euros de renumeração, por ter trocado o ordenado de Juiz pelo de Presidente da Câmara?! Enfim, ataque-se politicamente as ideias e as medidas e, se for caso, as pessoas, mas com verdade.
Esta é outra faceta de Gil: a mentira insidiosa, a suspeição clara de quem atira a pedra e esconde a mão, enfim, o exercício da menos nobre das qualidades humanas: a pequena hipocrisia.
Uma última nota: recentemente, um amigo meu quis responder a uma inverdade que Gil escreveu num seu editorial e o director de O Figueirense recusou-se a publicar a resposta, ou seja, censurou o texto em causa...!
O que se pode escrever mais perante tudo isto?! Não é um fado triste haver um semanário da cidade que pouco mais é do que um boletim publicitário ao serviço dos interesses comerciais e políticos do Casino e de uma facção partidária?!
Não é muito triste, um director de jornal censurar textos que contêm respostas que lhe são incómodas?!
Meus amigos, ainda bem que o meu “modo de vida” é outro: carrego móveis e pianos sem mais nenhum interesse que não seja tão igual ao do honesto padeiro de Adam Smith que, ao fazer o bem a si próprio, o fazia também aos outros.
Sinto-me plenamente realizado assim, o meu sangue até ferve quando carrego pianos; será que Joaquim Gil alguma vez vai sentir o mesmo, apesar de nos revelar que é feliz?
Duvido.

domingo, 12 de fevereiro de 2012

O pardal

Sabiam que no E.Leclerc vive um pardalito? É um pardal, igual a tantos outros, mas figueirense, desmesuradamente esperto, de tal maneira que se refugiou logo na zona dos congelados; como sabem, qualquer ave concelhia tem sempre de fugir do calor “inigualável” da praia da claridade. Adiante. O pardal voa no paraíso E.Leclerc sem freio, receio ou preocupação, a catita ave é livre, totalmente livre, não espera um “amanhã que cante”, nada, só deseja debicar sem cessar os produtos guia, aqueles com 50% de desconto em cartão; é claro que quem vai poupando assim é feliz, não almeja mais nada, nem sequer repara na moça da charcutaria, a do turno da noite: formas generosas, paio fresco a toda a hora, soldo miserável por 12 horas de jornada solitária; será que o passarito algum dia vai reparar na moça? E que a moça vai algum dia melhorar a sua existência, quiça, ser por breves momentos um pássaro livre, totalmente livre, sem precisar de um “amanhã que cante”?! Não faço ideia como acabará a história, o mais certo é o pardal debicar o paio nobre da moça e ser enxotado de vez... O que acham desta “estorinha”? Edificante, moralizadora, redentora?! Eu acho-a muito piegas; não é só Passos Coelho que pode utilizar tão nobre adjectivo. Parece que o Primeiro Ministro acha que os portugueses são piegas e eu concordo com ele, não parámos de choramingar desde que ele tomou posse; Passos Coelho pensa que estamos agarrados a tradições caducas como o carnaval e eu concordo com ele, há quase um ano que dura o seu reinado. Mas paremos de vez com a catarse colectiva de comentar as idiotias de Passos Coelho ou Cavaco Silva! Falemos de coisas sérias, elevadas, importantes para o futuro da nação; sabiam que o Paulo Futre não vai pôr os pés no carnaval da figueira, na terça-feira?! Estou chocado! Só admito perdoar o rei do corso se ele me arranjar um emprego; é que Futre agora arranja empregos no programa dele, na tvi24. Já advinharam o que pedi ao astro da bola? Um emprego no E.Leclerc, junto à charcutaria, desde que o raio do pardal deixe o paio da moça...