segunda-feira, 24 de março de 2014

O Fim

Na conferência de imprensa que antecedeu o jogo entre o Estoril e o Benfica, Jorge Jesus pronunciou as seguintes palavras: “Se eu começar a pensar no que me pode acontecer um dia, eu sei que vou morrer um dia. Começo a pensar que vou morrer um dia e todos os dias ando infeliz. Eu quero ser feliz por aquilo que é o Benfica hoje”.

Curiosamente, a tirada de Jesus, um purista da palavra, surge num momento em que no meu espírito se adensa uma dúvida: será que Portugal se finou?

Recorde-se que, rapidamente, Portugal passou de Condado a reino independente, pátria a nação gloriosa; o povo eleito por Deus para espalhar a palavra do Senhor através da epopeia dos Descobrimentos. Refira-se que este irrealismo, a imagem exaltada que temos de nós próprios, é uma constante na historiografia e literatura nacional: para além dos Lusíadas, temos o sapateiro Bandarra e as suas profecias de um reino universal liderado pelo embuçado; o milenarismo do Padre António Vieira com Portugal senhor de um Quinto Império; o genial propagandista do sebastianismo D. João de Castro (1550-1628) ou o místico Fernando Pessoa da Mensagem...

Reparem: todo este nacionalismo sebástico ressurgiu periódicamente ao longo da história; quando os ingleses, em 1890, aprovaram o Ultimatum e Portugal teve que abandonar parte do seu “império” africano, ocorreu um tumulto nacional, com Antero de Quental, Guerra Junqueiro, Eça de Queiroz ou Fialho de Almeida, a acusarem o governo e a monarquia de cobardia e de permitirem a humilhação nacional; na altura, Silva Porto, um comerciante e explorador do interior africano, imolou-se envolto numa bandeira portuguesa...

A jacobina primeira república apresentou-se como uma simbiose entre valores patrióticos e populares, basta atentar na A Portuguesa; a república autoritária de Salazar, essa, resumia-se ao “tudo pela nação, nada contra a nação”; veio o 25 de Abril e o fim do império que restava, e o que tivemos?      

Para além do saudosismo da glória perdida, vimos no projecto da Comunidade Europeia a hipótese de reconstituir um novo império; recordam-se do Primeiro-Ministro Cavaco Silva, nos anos 90, a garantir que Portugal seguia no “pelotão da frente” da Europa?

Julgo que a crise económica de 2008 colocou a nu o fim da narrativa sebástica: Portugal não é mais um povo destinado à glória, antes uma pequena nação, pobre, endividada, falida. Pior: o nosso Primeiro-Ministro chama-se Angela Merkel...

Mas será que temos a consciência que a pátria se finou?!

Não sei, talvez os portugueses continuem a identificar-se com Jorge Jesus: “Eu quero ser feliz por aquilo que é o Benfica hoje”.

     

 

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