quarta-feira, 11 de novembro de 2015

A Couve

Na mesa, umas couves tronchudas viçosas; uns homens perfilados trajam capas castanhas com porta medalhas e chapéus de abas escuros; em primeiro plano, um homem ostenta um estandarte verde com o dizer: “Confraria das Couves de Castelo Viegas, Coimbra, fundada em 2010”.

Só depois é que leio, no Diário de Coimbra do dia 1 de Novembro, a grande manchete: “Confraria distribui mais de mil couves por IPSS de Coimbra”.
O jornal conta que a confraria existe desde 2010, conta com 62 confrades efectivos - 8 deles de honra – e que 40 associados esperam ardentemente a entronização. E como é que o presidente da confraria, Carlos Ferreira, justifica a existência da associação? Para “manter viva uma tradição” da freguesia... Cavar e plantar a couve-portuguesa, Brassica Oleracea, grupo Costata.

Esta espécie de cavaleiros da boa figura, fazendo o bem armados com couves, recordam-me outro cavaleiro, mas este da triste figura: D. Quixote de la Mancha.   
Recordam-se da obra prima de Cervantes? Da figura de D. Quixote, um cavaleiro andante colocado num tempo em que não existiam cavaleiros andantes; que andava armado com armas utilizadas cem anos antes; um fidalgo pobre que, portanto, nunca poderia ser armado cavaleiro. E as suas sucessivas aventuras, procurando a honra e a fama eterna, são sempre acções fora do espaço e dos dias em que vivia...

As  confrarias, pelo contrário, assentam que nem uma luva no nosso tempo; reparem na confraria do Bucho Raiano, na Confraria do Bucho de Arganil, na Real Confraria do Maranho ou na Confraria das Tripas à Moda do Porto; tudo enchidos cuja Organização Mundial da Saúde aconselha a não consumir... É claro que logo mil vozes se levantarão recordando que também temos a Confraria dos Nabos e Companhia, da Moenga, do Chicharro, dos Sabores da Fava ou a mui nobre Real Confraria Gastronómica das Cebolas... 

Este viver fora do tempo leva-nos, inevitavelmente, até ao novo governo de esquerda; será possível governar à esquerda num mundo dominado pelo liberalismo?
Antes, importa perceber o resultado da ideologia liberal num país como Portugal: privatizaram-se monopólios estatais, como o sector da energia, mas temos a segunda electricidade mais cara da Europa e o gás natural mais caro da União Europeia; flexibilizamos o mercado de trabalho – precarizamos e reduzimos o valor dos ordenados pagos aos trabalhadores – mas a economia não cria empregos suficientes para absorver a mão de obra disponível; na distribuição de rendimentos, temos um dos países da Europa onde o fosso entre os mais ricos e os mais pobres é maior...

Pergunto: manter o status quo, com o seu coro de desempregados, trabalhadores com ordenado mínimo, emigração qualificada, é governar no sentido correcto da História?

António Costa poderá ser o maior bluff da história política portuguesa, uma espécie de D. Quixote ensandecido, convencido que vai mudar o mundo distribuindo benesses a torto e a direito.

Mas, 41 anos depois de Abril, ainda há uma réstia de fé; talvez António Costa seja um cavaleiro da boa figura, armado com uma saudável e deliciosa couve...           


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